Nem faz tanto tempo assim, mas faz muito tempo que comprei minha “Primeira Harley”... Na verdade já estou bem longe da minha primeira Harley, tanto anos quanto quantidades, depois da primeira vieram logicamente a segunda, a terceira e por aí vai, mas não fazia diferença, eram todas Harleys, e eu me apaixonei como qualquer outro pela minha primeira, e pela segunda e por todas as outras.
Me lembro bem, de olhar pra primeira, e reparar nos mínimos detalhes dela, em tudo, absolutamente tudo, era como se meus olhos tivessem lentes de microscópio, totalmente detalhistas, eu era garoto e tinha tempo pra todos os detalhes... Conhecia ela por completo, tudo. Mas era só por fora, não tinha idéia de como era por dentro. Até fazia vai, sempre 'mexi' com mecânica, mas não tinha coragem de colocar a mão nela, não arriscaria, era como tentar fazer um procedimento cirúrgico no abdômen da sua primeira namorada do colégio, sei lá, parecia loucura ou arriscado demais. Mas sempre vem uma troca de óleo, e esse é o começo da intimidade, como trocar a fralda de um paciente, ver ela despejar, quase com vergonha, aquele óleo sujo na bacia de alumínio, e eu ali, carinhosamente colocando o óleo novo e dourado no tanque dela.
Enfim, aí arrisquei um dia a trocar o óleo da primária e assim começou tudo, troquei um filtro de ar, escapamento, aquele básico. E perdi o medo.
Troquei a moto, mas a paixão não mudou e continuei: carburação, umas ajustadas mais profundas, troquei o comando...
Aí veio a injeção eletrônica, e a paixão ainda lá, estudei a fundo o assunto, me especializei, e sem querer me gabar, acho que fui um dos primeiros no Brasil a entender e preparar injeção de Harleys.
E a paixão continuava lá, a mesma desde o primeiro dia, aí eu já estava totalmente destemido, arranquei o motor fora, preparei tudo, fiz tudo o que tinha pra fazer...
Isso já fazem alguns anos...
Mas aí veio ontem...
Estava jantando sozinho lá no restaurante do meu irmão e, no meio da janta, epifanizei algumas coisas na caxola. A moto parada lá na rua e eu olhando pra ela, cortando um pedaço do filé com fritas e olhando pra ela, e de repente percebi que já não havia mais aquela paixão e curiosidade do começo.
E aí me vieram todos esses anos e toda a história, a minha história, na mente... Tudo que eu já tinha visto de Harley, e cheguei a uma estranha conclusão, as Harleys são todas diferentes como dizem por aí, mas em essência, são todas iguais.
Minha vida mudou desde a primeira Harley, meus pensamentos foram virando Harley, minha forma de ver o mundo e minha forma de me expressar para o mesmo, minhas curtições viraram a Harley, meus amigos acabaram se transformando em pessoas que tem Harleys, depois esses amigos acabaram virando meus irmãos, hoje eu só leio coisas de Harley, hoje eu acordo Harley e vou dormir Harley, hoje é Harley o dia todo, todo dia. Até meio monótono, monotemático. E aí percebi que na verdade perdeu um pouco daquele tesão do começo, não tem mais desafio, a moto estava lá e não tinha nada demais, não tem mais Harley desconhecida, conheço como funciona qualquer Harley, hoje faço qualquer coisa em qualquer uma, e nada daquela empolgação do começo. Não tem novidade. Na verdade são todas iguais, pensei...
Será que eu enchi o saco de Harley?
Terminei o filé, paguei, levantei, fui pra rua, acendi um cigarro e fiquei olhando a motoca, com esses pensamentos meio perdidos, e foi quando passou uma porra dessas de plástico, duas rodas e com um monte de letras como nome, umas mil cilindradas e uns quatro cilindros, essas japonesas escrotas.
Essa moto de plástico colorido é simplesmente um ser estranho pra mim, ela e qualquer outra moto que não seja uma Harley, não é preconceito, simplesmente olho pra uma dessas e não faço a MENOR idéia de como é o motor dela por dentro, ou de como funciona, assim como era com as minhas Harleys no começo, só que com a diferença de que não sinto a menor curiosidade em saber como é, sequer sinto algum tipo de vontade de chegar perto de uma, se tivesse que mexer em uma quatro cilindros eu preferia fazer mecânica em carros...
Aí entendi tudo...
Não perdi a paixão pela minha Harley, só virou um amor maduro...
Liguei o motor, escutei aquela barulhada toda, escapamento aberto e motor cheio de ruídos, cada um em compasso com o outro e cada um com seu porque, conhecia cada um deles, coloquei a primeira, arranquei, e me veio de novo aquela sensação de felicidade e surpresa do primeiro dia.
Cheguei em casa e deitei na cama tranquilo e sem pensamento nenhum na cabeça, só um sorriso no rosto...
Big Chopper de la Frontera
fronterahd@gmail.com
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